A minissérie retrata o caso de cinco jovens que foram injustamente acusados de um estupro no Central Park
Falsas acusações, abusos e agressões. Na minissérie "Olhos que Condenam", cinco garotos entre 14 e 16 anos, são condenados pelo preconceito racial e social. Baseado em uma história real, a Netflix exibe quatro episódios que explora um dos maiores erros cometidos pelo sistema judiciário americano.
O CASO
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“Matilha de arruaceiros” (hypeness.com) |
Na noite de 19 de abril de 1989, cinco adolescentes negros resolveram acompanhar um grupo que foi se encontrar no Central Park, em Nova York. Enquanto alguns corriam e gritavam com pessoas que estavam pela região, outros só queriam se reunir com os amigos. Policiais foram chamados e a maioria ficou retida. Em outra parte do parque, uma mulher, foi brutalmente agredida e estuprada. Ela foi encontrada horas depois gravemente ferida. Quando os policiais se deram conta dos dois acontecimentos, criaram uma narrativa que faria dessas duas histórias uma só, e assim elegeu o grupo de negros, ou ‘matilha de arruaceiros’, como classificou o New York Daily News, como culpados.
Depois de uma breve investigação, cinco garotos do parque se tornaram suspeitos. Todos os meninos eram menores de idade, eles foram interrogados durante horas sem a presença dos pais ou advogados. A promotora Linda McCray passou por cima da lei e foi contra a ausência de indícios ou provas e criou a narrativa de que os jovens, mesmo sem se conhecerem, praticaram juntos o abuso sexual.
Para isso, ela faz com que os agentes pressionem os garotos a admitirem de qualquer jeito o crime. Antron McCray, Kevin Richardson, Yusef Salaam, Raymond Santana e Korey Wise, assustados, com fome e sem a menor ideia do que estava acontecendo, confessaram o crime, pois foi dito à eles que se fizessem isso, poderiam ir pra casa e sairiam daquela situação. Depois negam, mas ninguém acredita. Todos foram presos. Passaram entre 7 e 13 anos na prisão, até que em 2002 um estuprador em série confessou o crime. O DNA era compatível. Eles eram inocentes.
CRÍTICA
“ - Por que nos tratam assim?
- De que outra maneira nos tratariam ?”
Esse é um dos diálogos que permeia a minissérie, dirigida, escrita e pensada por Ava DuVernay (nome por trás do filme Selma). Os questionamentos dos personagens que ocorrem enquanto eles aguardam a primeira audiência do caso, servem para definir a principal temática e o debate da produção, a invisibilidade dos jovens negros, que historicamente estão entre os que mais morrem e os mais encarcerados do mundo.
Em quatro episódios, a minissérie revela um dos maiores erros cometidos pelo sistema judiciário norte-americano. O primeiro episódio é um dos mais complicados para assistir, tem como foco o tempo em que os jovens passaram na delegacia sofrendo ameaças e agressões, tanto físicas quanto psicológicas. O segundo retrata as audiências e o julgamento que geraram a condenação dos cinco a reclusão de 7 a 13 anos.
O terceiro, mostra o período em que quatro dos cinco jovens estiveram na cadeia cumprindo o período de pena até o momento em que eles saem e buscam viver a partir desse trauma. O quarto, mais pesado de toda a produção, fica na narrativa de Korey, o único a cumprir desde o início a pena em uma cadeia regular, já que ele tinha 16 anos na época. Neste episódio também mostra os desdobramentos do caso, a reabertura em 2002 quando o verdadeiro culpado Matias Reyes (Reece Noi) assume a responsabilidade e o momento em que os cinco são absolvidos.
Não é fácil assistir "Olhos que condenam". Dói. Incomoda. Principalmente porque é tudo verdade. O sofrimento dos cinco meninos na delegacia, está muito bem explícito na tela, é um dos trunfos de Ava DuVernay e do elenco da primeira parte. O olhar de DuVernay, foca no lado humano dos cinco meninos injustiçados, durante o julgamento eles foram narrados e montados como membros de gangues e delinquentes juvenis, na minissérie eles são representados como crianças injustiçadas e assustadas, nada além do que de fato eram na época.
É a realidade nua, crua e dura desse caso em que os cinco meninos perderam a adolescência para cumprir a pena de um crime que nunca cometeram. O drama de tudo isso também é muito bem transpassado na trama, mostra desde as pequenas coisas que eles perderam até as maiores. Revela desde o início da pena até o momento em que eles saem e enfrentam barreiras para se recolocarem na sociedade. "Olhos que condenam" coloca na tela uma história difícil e real de uma forma extremamente humana e respeitosa com essas vítimas. Por levantar um debate e expor uma narrativa invisível. E ainda pela forma como direção e elenco contam isso.
O racismo existe e está enraizado. Alguns entendem que ele existe, mas acreditam que o crime só ocorre quando alguém ofende uma pessoa negra diretamente. Não há muito espaço ou entendimento para o racismo estrutural e o racismo institucional, aquele crime velado que aniquila vidas e oportunidades. "Olhos que Condenam" é uma história revoltante, mas é necessário que ela seja exposta e que todos assistam, vai doer, você vai chorar. Mas não pense duas vezes, assista, é uma produção indispensável para os que desejam entender a construção de uma sociedade onde o negro não é bem-vindo.
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No título original, "Olhos que Condenam" se chama "When They See Us" (Quando eles nos veem), que é muito mais pertinente. Aqueles garotos fazendo bagunça no parque poderiam ser quaisquer outros garotos brancos que vemos por aí fazendo o mesmo tipo de bagunça, estando apenas no lugar errado e na hora errada. A diferença é como nós os vemos.
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